O FENÔMENO DOS VÍDEOS ENSAIOS

Por: Guilherme Souza & Gabriel Bergamascki

Sou um bloco de texto. Clique no botão editar para alterer este texto. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Ut elit tellus, luctus nec ullamcorper mattis, pulvinar dapibus leo.

O YouTube vai matar a televisão” era uma frase comum de se ouvir na última década. A plataforma reunia um sentimento de frescor e esperança, muito por conta da promessa de um conteúdo de qualidade, que não teria que seguir os moldes da TV. Com essa liberdade criativa, o site seria palco de uma transformação no audiovisual de todo o mundo.

Ao considerar essa visão otimista e depois conferir o “Em alta” – seção desenvolvida pela plataforma para selecionar os vídeos que podem agradar uma grande quantidade de espectadores – você pode se decepcionar.  Apesar do princípio de selecionar conteúdos que “transmitem a amplitude do que acontece no YouTube e no mundo” e ao mesmo tempo “são surpreendentes e novos” e “não são enganosos, sensacionalistas ou induzem cliques”, o cenário encontrado vai pelo caminho oposto.

Uma breve visita aos destaques revela conteúdos replicados dos principais canais de TV Aberta, como novelas, telejornais e reality shows, bem como os melhores momentos de partidas do Campeonato Brasileiro e um grande mar de clickbaits, com títulos como “Enchi uma banheira de Nutella e olha no que deu”. Entre os conteúdos originais não apelativos sobram os formatos mais consolidados como daily vlogs e gameplays. Muito aquém do esperado.

Entretanto, há ainda uma série de conteúdos de valor atrás da cortina destacada pelos algoritmos. Um bom exemplo são os Vídeo Ensaios – ou Video Essays, no original em inglês – já estabelecidos em países como Estados Unidos e Inglaterra e que começam a ganhar força na internet brasileira.

Dos ensaios teóricos ao YouTube

Confira os principais canais brasileiros que produzem Vídeo Ensaios.

Card 01 - EntrePlanos
Card 02 - Quadro em Branco
Card 03 - Ludoviajante
Card 04 - Meteoro Brasil
Card 05 - Mimimidias
Card 06 - Nautilus

O professor e vídeo ensaísta Tavos Mata Machado, um dos três integrantes do canal Mimimidias, diferencia seu trabalho de outras produções do site da Google por conta do modo como são feitos os episódios, lançados bissemanalmente em parceria com Clara Matheus e Leonardo de Oliveira. “É um formato de vídeo que elabora algum tipo de investigação teórica, partindo de alguma pesquisa, de forma a sustentar alguma tese”, inicia. “É importante lembrar que estamos dialogando com um gênero de texto escrito que existe muito na academia, que é o “ensaio”, que se difere do famoso “artigo acadêmico” principalmente por se permitir algumas liberdades estéticas e experimentações com a forma. Assim, o vídeo-ensaio também segue por aí, num tipo de meio-termo entre forma e conteúdo.

Quem concorda com essa argumentação é o “Cara mais simples”, pseudônimo utilizado por uma das mentes por trás do Meteoro Brasil. Para ele, que mantém o anonimato por conta da preferência do público, o formato tem uma grande perspectiva de evolução. “Tem muita gente se esforçando para tornar esse tipo de adaptação um pouquinho mais sofisticada; explorando melhor todas as possibilidades que o vídeo oferece. É muito estimulante pensar no quanto o formato ainda pode se desenvolver, se a gente estiver disposto a ser mais criativo e assumir mais riscos”, analisa.

Veja um trecho de Rick and Morty, Übermensch e o Vazio Existencial, do Quadro em Branco

E essa criatividade citada por ele se estabelece de duas formas. A primeira vem por conta do modelo, imersivo e focado em expor os raciocínios do autor – e não apenas em distrair a audiência com papos mais leves e descontraídos. Para isso, os essayists optam por utilizar obras de ficção, a exemplos filmes, séries e animações, como plano de fundo. Usam-se também fontes acadêmicas, entre elas artigos e livros de autores como Friedrich Nietzsche e Umberto Eco.

A originalidade vem também por meio do conteúdo. Os pensadores acima, por exemplo, foram escolhidos para explicar, respectivamente, o aspecto niilista de “Rick and Morty” e o porquê Umberto Eco amaria a série “Stranger Things”. E não para por aí, há misturas ainda mais inesperadas como uma análise sobre o behaviorismo encontrado no “Incrível Mundo de Gumball” e o olhar de Chapolin sobre as superpotências da Guerra Fria.

O poder das metáforas

No Brasil, os produtores de vídeos de maior sucesso nesse gênero se destacam pela forma como abordam temas filosóficos e científicos através da cultura pop. Jornalista de formação e responsável pela edição e roteiro dos vídeos do Meteoro Brasil, o Cara Mais Simples considera essa a melhor forma para trazer um conhecimento mais complexo para os jovens e adultos. 

“Se a gente abordar a filosofia do filme mais cult, a gente vai acabar falando de filosofia para gente que já se interessa por filosofia. Se a gente abordar a ciência da ficção científica mais celebrada, a gente vai falar de ciência para gente que já se interessa por ciência. Então, a gente fica feliz se puder fazer as pessoas se interessarem por novos assuntos. Desse jeito, todo mundo consegue ampliar o próprio repertório e embasar melhor as próprias opiniões”, explica.

Veja um trecho de “Hayao Miyazaki: A Importância do Vazio”, do EntrePlanos

O vídeo ensaísta acredita também no poder metafórico das obras escolhidas para tratar de tais assuntos e que, com elas, é possível entreter os inscritos ao mesmo tempo em que os ensina. “O que pode tornar esses conceitos mais fáceis de serem assimilados são os exemplos aos quais eles se aplicam. Todo professor pode fazer bom uso dessa disposição humilde de usar as referências culturais do aluno a favor do aprendizado. A gente acredita muito nisso”, salienta.

A leveza e o didatismo proporcionados pelo formato são elogiados também por Max Valarezo, criador do EntrePlanos, que conta com mais de 150 mil inscritos dispostos a receber conteúdos semanais sobre cinema. Entre os ensaios já publicados no Canal, são sucessos vídeos que cumprem bem essas duas características, como “Hayao Miazaki: A Importância do Vazio”, na qual explica o conceito japonês do ma nas obras do co-criador do Studio Ghibli.

“Se o mesmo conteúdo fosse apresentado como um textão gigante, muita gente teria preguiça de ler tudo. Mas o mesmo não parece acontecer se você criar um vídeo de dez minutos abordando as mesmas ideias. Então podemos aproveitar que o público de hoje é muito receptivo aos vídeos e usar essa atenção a nosso favor para transmitir nossas ideias”, expõe.

Nem tudo é um mar de rosas…

Apesar das múltiplas possibilidades, o gênero encontra também alguns problemas. “[Há] um foco maior na parte audiovisual, isso abre espaço para brincar com animações e efeitos sonoros. Mas, cá entre nós, eu creio que do ponto de vista do criador existem mais desvantagens do que vantagens. Quando não há um rosto para ocupar a tela, a edição torna-se bem mais trabalhosa”, defende Thiago Souza, criador do Ludoviajante, projeto independente que celebra arte, cultura e videogames. 

157 CAMADAS DE EDIÇÃO DEPOIS E UMAS NOITES SEM DORMIR ACABEEEI ಥ‿ಥ Caramba, passou as 102 camadas do vídeo da Mônica. Já já tem vídeo novo ♥ pic.twitter.com/QJTPJmn8fV

— Ludoviajante (@ludoviajante) 9 de julho de 2017

Mesmo destinando menos tempo que Thiago, seus companheiros de vizinhança – como é chamada a cena de vídeos ensaios no YouTube brasileiro – também sofrem com isso. Tudo isso, entretanto, é por conta do apreço pela qualidade de cada novo programa.

“A grande desvantagem do vídeo-ensaio tem a ver com sua temporalidade; como é um gênero que necessariamente depende de pesquisa, muitas vezes a velocidade de produção de um vídeo desses não consegue acompanhar a velocidade da internet. Assim, nem sempre conseguimos “dar respostas rápidas” a acontecimentos bombásticos na rede, porque pra qualquer vídeo a gente precisa de um trabalho mais longo de pesquisa e investigação – motivo pelo qual, inclusive, a gente tem começado a experimentar alguns formatos diferentes que nos permitam esse tipo de resposta rápida, como têm sido nossos vídeos Entre Parênteses”, conta Tavos.

Seu parceiro de trabalho, o designer gráfico Leonardo de Souza explica como é o fluxo de trabalho do Mimimidias. 

1ª etapa: criação | o roteiro leva cerca de duas horas para ser escrito em caso de temas já dominados por eles e entre seis e oito quando há a necessidade de uma pesquisa maior. 

2ª etapa: produção | as filmagens, a edição e o tempo gasto entre exportar o vídeo e enviar para o YouTube. 

Somando isso tudo, temos em média umas 25 horas de trabalho para cada vídeo de cerca de 15 minutos! Isso dá 1 hora e meia por minuto de vídeo! É muito trabalho, mas o resultado também costuma ser bem legal”

Leonardo Oliveira do Mimimidias

A mesma dedicação se vê no Meteoro Brasil, que já soma quase dez milhões de visualizações totais em pouco mais de um ano e três meses de idade. “No início, o conjunto dos processos poderia levar até 40h, no caso do meteoro.doc. Conseguimos baixar para 14h ou 12h, em alguns casos. A gente acredita muito nos conceitos de qualidade e quantidade como complementares. É por fazer sempre que a gente vai ficando mais eficiente no que faz. O conteúdo de hoje é o treino para o conteúdo de amanhã. O trabalho constante ajuda cada etapa dos processos de produção a obter resultados melhores em prazos menores”, conta o Cara mais simples.

PESQUISA, PESQUISA

E MAIS PESQUISA

Essencial para o processo de roteirização, a pesquisa é fundamental para os vídeos ensaios. Mestre em Literatura Inglesa e voz feminina do Mimimidias, Clara Matheus viu neste gênero a possibilidade de transmitir o conteúdo produzido dentro das universidades. “Durante o mestrado, a realidade de que a minha pesquisa quase não seria lida me incomodava muito. O alcance de um texto desse tipo (e da maior parte dos textos acadêmicos) é muito pequeno. Escrever para não ser lida não me motiva”, justifica ela, que considerava essa possibilidade frustrante e via nos podcasts uma válvula de escape não tão proveitosa. “Eu enxergo os nossos vídeos como uma solução para nossos problemas individuais que é essa necessidade de comunicar, e também como uma modesta contribuição para o problema social, que é a pouca divulgação do conhecimento acadêmico”, complementa.

Companheiro de classe de Clara na graduação, Tavos crê nesse esforço de ir atrás de informações mais precisas como uma ferramenta necessária nos tempos atuais. “A internet criou um ambiente muito propício para discussões baseadas em achismos e opiniões, com pouca fundamentação ou reflexão – o que contribui para criar um espaço bastante intolerante e obscurantista”, comenta.

“A gente acredita que uma das formas de contrapor isso é valorizando a construção coletiva do conhecimento, mostrar pro nosso público que nós não somos gênios que tiramos tudo das nossas cabeças iluminadas, mas sim que quando a gente quer saber mais sobre algo a gente investiga. Acho que com isso a gente tenta criar não só um ambiente mais saudável pro debate, como a gente espera também conseguir encorajar quem nos assiste a criar esses hábitos de pesquisa também” diz ele, analisando a pesquisa como geradora de confiança na relação entre os criadores e o público.

O sentimento deles é compartilhado dentro da vizinhança. Em suas análises cinematográficas, Max Valarezo tenta extrair o melhor na hora de estudar para assim diferenciar o conteúdo encontrado no EntrePlanos dos demais. “Essas fontes acadêmicas me permitem ter acesso a ideias e informações que eu provavelmente não encontraria em sites “comuns”. E assim eu tenho a oportunidade de trazer ideias novas baseadas nessas fontes acadêmicas, posso tentar dizer algo que não está sendo dito por outros produtores de conteúdo”.

QUEM PAGA A CONTA?

O pagamento realizado pelo YouTube em recompensa aos vídeos publicados na plataforma vem por meio do AdSense, serviço responsável por veicular as famosas propagandas antes e no meio dos vídeos. Ele, porém, premia com mais intensidade os produtores que acumulam maior número de visualizações totais. Com menor frequência de atualizações em relação a outros creators os essayists recorrem a um meio bastante promissor para se manter na ativa, através de sites de financiamento coletivo, como Padrim e Apoia.se.

Com eles, os produtores estipulam metas a serem alcançadas para conseguir custear os gastos na produção dos vídeos. Os apoiadores em geral ganham recompensas,como participação em grupos fechados e acesso a conteúdos exclusivos. Até aqui, essa dinâmica tem sido proveitosa.

 

Anúncio especial! A partir de hoje, o meu canal EntrePlanos tem uma campanha no APOIA.se! Se você quiser nos ajudar a continuar fazendo nossos vídeos, agora você pode contribuir com um valor pequeno todo mês. E ainda ganha recompensas muito legais como forma de agradecimento! Pra conferir nossa campanha, acesse: apoia.se/entreplanos

Uma publicação compartilhada por Max Valarezo (@maxvalarezo) em

“Acredito que o financiamento coletivo seja sim a melhor forma de canais assim começarem a financiar o próprio trabalho. Porque no começo, quando o canal for pequeno, ele não vai chamar atenção de anunciantes. Então contar com o apoio financeiro dos inscritos é uma ótima forma de começar a profissionalizar o canal. Sem contar que o canal pode até mesmo preferir usar apenas esse tipo de financiamento e abrir mão completamente de anunciantes publicitários, o que também é algo completamente válido”, explica Max, que conta com 104 apoiadores para ajudar a remunerar os dois editores de vídeo do EntrePlanos.

O sistema de crowdfunding também é efetivo para Thiago Souza, que soma 105 “padrinhos” em sua campanha. Ele ressalta a importância dessa participação do público do Ludoviajante. “Sem o financiamento coletivo o meu projeto sequer existiria. O Youtube me paga de R$15 a R$30 por vídeo, quanto muito. Imagina só: um mês inteiro de trabalho e o valor que recebo não paga nem a energia elétrica que gastei para produzir o vídeo. Seria completamente inviável sobreviver só com a renda do site”.

Dicas para iniciantes

Dois nomes consolidados no gênero, Max e Thiago deixaram dicas para quem quer se aventurar neste tipo de produção. A primeira vem do criador do EntrePlanos, orientando aos novos vídeo ensaístas a focar na qualidade do texto. O mais legal de vídeos ensaios é que eles trazem ideias e reflexões que engajam o espectador. É melhor um vídeo de ótimo roteiro e com edição razoável do que um vídeo muito bem editado mas que não tem nada muito interessante para dizer”. Valarezo também recomenda a criatividade na hora de pensar nos vídeos. “Se não quiser sequer inserir sua voz, explore textos e animações de forma criativa. Essa é a graça do vídeo ensaio: as possibilidades criativas são muitas”.

Já Souza prega a paciência no início do canal. “Não alimente demais as expectativas. Crie com carinho e respeite sua saúde. Mostre seus vídeos para os amigos e eventualmente eles ganharão tração. É importante se divertir no caminho”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *