Maratonar séries durante uma madrugada de sábado chuvosa não tem preço. Sofá, cobertor, pipoca e brigadeiro de panela acompanham a felicidade que perdura até o momento em que os primeiros raios de sol invadem a sala pelas frestas da janela.

Sempre caseiro, prefiro Netflix aos bares e festas. Não fumo, odeio barulho e, particularmente, não gosto dos sabores de bebidas alcoólicas.  Forçar-me a estas coisas, numa tentativa desesperada de ser aceito socialmente, jamais. Já disse que odeio barulho? Sim, um jovem idoso.

As consequências da noite em claro são rapidamente sentidas: acordo extremamente tarde – bem depois do meio-dia – e ainda com ressaca de sono. Dia seis de maio, um domingo. Logo quando levanto da cama, ouço gritos e xingamentos vindos da rua. Aproximo-me da janela e encontro uma mulher discutindo com o casal da casa ao lado.

Carina, como será seu nome agora, briga feio com os vizinhos. Acima dos 40 anos, a moça é magra, cabelo curto e tingido de amarelo. Roupas gastas, largas e predominantemente verdes, num estilo masculino – se é que isso existe. Não há anel, nem colar, muito menos brincos e colares. O aspecto é realmente de uma moradora de rua ou catadora.

Quando comecei a ouvir, já estava no meio da discussão e, pelo que entendi, Carina havia retirado o mato que crescia na calçada e o casal estava lhe devendo dinheiro. Fez o serviço e quer sua gratificação.

Tudo certo até aí, só esqueceu de avisar ao casal. Segundo eles, não pediram para a moça fazer a limpeza da fachada da casa, então não se sentem em dívida com ela.

A discussão se estende e os xingamentos saltam de suas bocas. O casal a chama de “bruxa”. Nem sabia que isso, em pleno século XXI, ainda era usado. Em determinado momento, uma idosa próxima à briga começa a gritar “sai daqui satanás” para Carina. Frase repetida pelo marido e pela esposa, logo em sequência.

O casal ainda diz que, em outra oportunidade, já havia doado três panelas para ela, mas Carina retruca dizendo que foram apenas duas e ainda estavam furadas. Os vizinhos rebatem com: “não devíamos ter dado então”.

Mais uma vez a gritaria ganha força e toma as atenções dos moradores. O sol forte atinge o asfalto e eleva a temperatura – não mais que a discussão. Só não há agressões físicas, porque estão separados pela grade do portão amarelo.

Um homem de bermuda rasgada e camiseta só nos ombros passa e sugere que Carina plante o mato novamente na calçada. Todos ficam em silêncio, confusos. O homem segue viagem e a gritaria recomeça.

Cinco minutos depois – nos quais meu vocabulário de insultos teve atualização significativa – o casal decide entrar em casa e deixar a moça tagarelando sozinha do lado de fora do portão.

Carina desce a rua esbravejando e leva consigo as ofensas da idosa, que seguia dizendo: “sai daqui satanás”. Em pouco tempo, o silêncio ficou. Todos os moradores viram que a confusão acabara e foram se proteger do sol ardente. Assim como eles, volto para meu quarto. Sentado em frente a um pedaço de papel em branco, começo a escrever esse texto.

Amo escrever, criar mundos e cenários impossíveis – e às vezes possíveis. Dedico meu domingo a esta atividade que me acalma e tranquiliza o coração. Tempo muito melhor aproveitado do que se eu fosse para baladas ou parques de diversão. Onde está a calmaria, lá estou eu. Fujo da bagunça. Ah, como odeio barulho…

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