->Ninguém melhor do que a minha pessoa sabe que não entendo nada de futebol. Até já tentei, em uma época da adolescência, quando muitos acertos e burradas acontecem — hoje em dia não está muito diferente. Acredito ser melhor não relembrar esses fatos e expô-los, até porque não quero tirar a seriedade deste texto escrito por um adulto recém gerado pelo capitão-mor chamado capitalismo.

O fato é que precisei mencionar esta burrada — não foi a única — do passado. Precisei mencionar por conta de dois acontecimentos deste ano que acertaram em cheio o meu pensamento, de alguém que tem a lua em peixes, enquanto voltava para casa. O primeiro remete ao segundo: esse ano tem Copa do Mundo e Copa do Mundo só é Copa se tiver álbum de figurinhas. Isso mesmo: figurinhas
Não sou a melhor pessoa para falar de futebol, nem é o meu assunto predileto, mas não tem como se esquecer das figurinhas da Copa.

Falo isso porque tentei por duas edições do evento completar um álbum. Na Copa de 2010 faltaram exatamente 18 figurinhas para que eu pudesse sair na rua e exibir o troféu que todos os garotos da rua gostariam de levantar. Depois, é claro, colocaria em uma moldura a conquista, guardando-a em um cofre de segurança máxima. Eu tinha 12 anos na época e meus pais reclamavam da violência e dos furtos em São Paulo e todo o restante desse mundo — que uma criança não saberia definir o quão grande é. Não daria de bandeja meu prêmio a um ladrão. Mas, infelizmente, nada disso aconteceu na vida real.

Minha segunda tentativa foi em 2014. A Copa agora era em casa, tinha que valorizar esta honra. Foi quando percebi a competição que o Ensino Médio proporcionava. Alunos com seus álbuns completos em menos de um mês, com capa dura e tudo, preparavam-se para finalizar o terceiro, quarto álbum. A competição não era somente coisa de aluno, mas me recordo que professores também estavam nisso tudo. Depois, secretários, coordenadores, até mesmo o diretor entrou no jogo. A escola só falava dessas figurinhas.

Lembro-me que não parou por lá. A cidade, o país estava empenhado em completar mais e mais álbuns. Até o Agenda Setting dos veículos de comunicação teve que ser alterado — mesmo sendo uma teoria do Jornalismo que todos sabem que funciona. Os telejornais anunciavam pontos de troca com tanta emergência, como se falassem: Ei, você aí que está sentado sem fazer nada com essas figurinhas, vai dar jeito nisso, RÁPIDO! Anunciavam histórias inimagináveis de brasileiros que fizeram de tudo — ou mais que tudo — para chegar diante dos amigos e familiares e mostrar a conquista.

Os shoppings centers montaram bancas que facilitavam a troca de figurinhas repetidas. Muitas pessoas pediam a seus chefes — que também queriam completar seus álbuns — para sair mais cedo e dar tempo de despacharem aquele bolo de repetições de rostos de jogadores. Na época, não noticiaram nenhuma morte ou internação por conta do álbum da Copa, mas todos permaneceram atentos.

Em 2014, faltaram 23 rostos de jogadores e 1 emblema — justo o do Brasil, o anfitrião — para a minha primeira glória em duas tentativas. Não contei a ninguém o pecado que cometi. Mudei de assunto quando falavam sobre a Copa do Mundo, inventando qualquer outro assunto sobre algo completamente diferente — e muitas vezes sem sentido.

O Brasil não foi campeão em casa, o que tirou um pouco o peso das minhas costas e a culpa acumulada. As pessoas estavam tristes, mas com seus álbuns de figurinhas completos. E eu estava triste em dose dupla!

A febre dos álbuns recomeçou este ano. Algumas pessoas que economizaram bastante já devem estar completando o segundo álbum com o que restou das figurinhas repetidas — hoje em dia não sei dizer ao certo o valor de cada pacotinho, mas provavelmente deve ter aumentado, assim como tudo neste país. Provavelmente os jornais já finalizaram suas matérias com bordões horríveis.

Esse ano não vou me aventurar em São Paulo com um álbum da Copa. Após duas tentativas sem nenhum êxito, chega a hora de parar. Dignidade custa caro atualmente, figurinhas também.

Boa sorte aos corajosos. Mais sorte ainda aos que já apresentam sintomas desta febre.

 

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