Com toda certeza eu não fui o único que apressou o passo para chegar em casa e ligar a televisão para assistir ao 1° debate entre os candidatos à Presidência, às 22h da noite do dia 09, na Band. Com toda certeza não fui mesmo.

Dez minutos antes de começar, eu ainda estava na Vila Mariana. Era certo: meu tempo estava curtíssimo e a chance de chegar em casa, tomar um banho, jantar, escovar os dentes, sentar no sofá que tem décadas de existência na minha casa e, finalmente, ouvir a voz do Boechat iniciando o debate entre os presidenciáveis era mínima, inexistente, utópica.

Não teve jeito, apelei para o rádio do meu celular, que nem sabia da sua estada nele. Ajudou, como ajudou. Ouvi cada candidato se apresentando e seus típicos bordões, mesmo que moderados — em partes. Mais cinco minutos e as perguntas se iniciaram. Deu tempo de escutar duas delas, incluindo as réplicas e tréplicas, antes de chegar no metrô. Ao passar pelas catracas e descer muitas escadas, as vozes se tornaram um completo vespeiro a chiar e chiar e chiar e c….h…..i..a….a…..r……………………………….

Para todo problema, uma solução. Celular na mão, internet ligada, transmissão ao vivo nas redes sociais. A mulher que estava do meu lado esquerdo prestava atenção com rabo de olho. Pensei em convidá-la para assistir, deixar de lado essa vergonha e censura em se discutir política, mas, com celular na mão, ela desceu na São Bento sem saber o que os oito nomes estavam de fato dizendo ou tentando convencer o público que estão, novamente de fato, dizendo.

Kelly Fuzaro/Band

O sinal de rádio não retornou, a internet foi 100% para o espaço. Eu estava cego e surdo em plena noite de quinta-feira. Isso durou mais ou menos 30 minutos. Tentei entrar pela porta de casa antes mesmo de virar a chave. Deixei a bolsa de lado e senti um alívio quando a voz do Boechat retornou aos meus ouvidos. Nada de TV ligada, optei rádio até então descoberto no meu celular. Agora sim, dever cumprido. Esse debate vai dar o que falar amanhã, pensei mais de uma nos intervalos. Sono? De forma alguma, mesmo quando o quinto e último bloco se encerrou.

Olhei no relógio de pulso a hora. Por volta de 01h30. Serão quatro horas e meia de sono, fiz os cálculos. Bolsa arrumada, bloco de anotação ao lado do meu livro de cabeceira, janela e portas trancadas, corpo estirado na cama, fim… se não fosse por um simples detalhe: o debate ainda não havia terminado. Pelo contrário, estava firme e mais agressivo. O local mudou drasticamente. Agora eram oito presidenciáveis brigando por espaço no cubículo que apelidei de quarto.

— Vão dormir — gritei. O debate já acabou para vocês, para mim, para todos.

Grito em vão. O bla bla bla recomeçou e agora não tinha plateia e hashtags de apoio e ódio. Era o boca a boca, puxação de cabelo e troca de socos pelo verde nas urnas.

— Por favor, eu preciso dormir. Não quero mais pensar nisso por hoje.

Novamente, em vão. Os candidatos estavam em um verdadeiro arranca rabo e bateção de boca. Aproximavam-se em uma velocidade incrível para me alcançar e pegar no pulo. A insônia já estava gigantesca dentro de mim. Não culpei a rotina, mas sim aquele debate e o que de fato eu esperava e não esperava dele. As estratégias políticas de cada presidenciável não estavam dando certo e isso me assustava em escalas consideráveis.

Meirelles causou pânico em mim com seus olhos fixos, que se arregalavam quando viam uma câmera e uma oportunidade de mostrar que tinha carisma e bom senso. Puxou-me para dançar uma espécie de forró ou algo parecido para decolar sua candidatura. Não funcionou.

Bolsonaro me ensinava a fazer uma arma com as mãos e relembrou Sócrates quando berrou aos quatro ventos: Só sei que nada sei.

Ciro era o mais explosivo. Destilava socos em todos os presidenciáveis. No combate, quase me acerta dois pescotapas. Esquivei por sorte.

Alckmin pagou de santo e tirou do paletó um livro de histórias de fadas e duendes que governavam um mundo sem imperfeições e desigualdades há décadas.

Boulos acusava-me de golpe contra a minha gastrite, deixando uma xícara de chá governar o meu corpo ao invés do messiânico café feito na hora.

Álvaro Dias ensaiava para a futura carreira de locutor de rádio, com sua voz cheirando a mofo de gabinete e seu fascínio em nomear futuros ministros. Recomendou-me um oftalmologista excelente, reconhecido internacionalmente, para que eu ficasse de olho em tudo que acontecesse no país. Respondi se isso era possível de acontecer. O presidenciável só respondeu: PODEMOS.

Marina implorou para que eu participasse com ela no concurso de vozes esganiçadas. Recusei pela sua indecisão. Ela pode ser do signo de Áries, mas em seu mapa astral deve ter alguma coisa em Libra, tenho quase certeza.

Cabo Daciolo, até então desconhecido, pregou alguns salmos decorados e piegas, não agradando nada o Exu que me acompanha. Livrai-me de toda intolerância, Exu, Laroiê. Reforço: Mojubá. Prometeu, se eleito, acabar com o uso de gravatas no Congresso Nacional para que os piores crimes cometidos no Brasil sejam extintos. Chegou até a tirar a gravata no meio do discurso e picotá-la com uma tesoura cega que estava em uma das gavetas do meu guarda-roupa.

Quando tudo acabou, finalmente acordei do pesadelo com a certeza que formulei antes mesmo de cair no sono.

— Esse debate vai dar o que falar amanhã.

E deu.

Hoje começa a campanha eleitoral, período em que candidatos aparecem no seu almoço e janta para uma conversa sobre o futuro do país. Amanhã é dia de mais um confronto – digo, debate –  na TV aberta, mas não vou cometer o mesmo erro de quinta passada. Melhor adiantar o sono para futuras insônias causadas pela nova-velha forma de se falar de política. Ainda bem que o final de semana está logo aí. O que seria de milhões de eleitores sem uma boa compensação de sono?

Reforço a frase de semana passada:

 – Esse debate vai dar o que falar nos próximos dias. E dará.