Andar de metrô pode parecer um tanto monótono, não? Experimente pegar a linha azul, sentido Tucuruvi, às 22:40.

(Sabe o valor de R$4,00 pago? Não vem escrito no bilhete unitário, mas está incluso uma novidade a cada viagem.)

Lembro-me da vez, no começo de agosto, que ganhei um tour por São Paulo no escuro. As luzes queimadas faziam parte. Era tudo combinado. As pessoas, tão acostumadas com a rotina, nem perceberam a viagem. Pensando melhor, somente alguém realmente atento perceberia a tal ausência. A luz de dez celulares por m² proporcionava a homeostase do desequilíbrio. Notei o ocorrido por estar com exatos 0% de bateria. E tudo aquilo era engraçado e bizarro ao mesmo tempo. Uma estudante também percebera e estava a cair de risos — ou talvez fosse o pânico do escuro mesmo.

Hoje o tour foi, como sempre, diferente. Embarquei na Ana Rosa, porta fechou, trem andou. A próxima seria Paraíso, estava escrito no painel, comprovado. A voz eletrônica então diz:

— Próxima estação, Santana. Desembarque pelo lado direito do trem.

Aquilo não causou nenhum efeito em mim, já que desço no Tucuruvi. Mas causou no senhor que estava sentado ao meu lado, na mãe que fazia o filho dormir, no estudante que tinha olheiras que parecia que seu corpo estava entalado em uma grande olheira.

Levantaram de imediato, quase caíram no chão com o balanço do trem. O mundo estava a desabar se perdessem a estação. Isso não poderia ocorrer, era um absurdo acontecer isso em plena terça, começo de mês. O trem parou, estação Paraíso. Estavam incrédulos, foram enganados por uma voz eletrônica. Sentaram novamente e continuaram a fazer o que sempre tentam fazer. Porta fechou, voz eletrônica.

— Próxima estação: Santana. Desembarque pelo lado direito do trem.

Todo o rebu recomeçou. Algumas pessoas que embarcaram na Paraíso participaram pela primeira vez da enganação. Abre-se a porta. Vergueiro. Todo aquele sentimento de mentira e ódio tecnológico reaparecem. Como isso pode acontecer em plena terça, começo de mês? Algumas pessoas que não foram enganadas tentaram explicar a situação para os enganados, mas sem sucesso. A cada nova estação, a mesma cena. Foi assim na São Joaquim, Liberdade, na Sé muita gente desceu, mas outras entraram e eram as mais novas vítimas. São Bento, Luz…

Algumas pessoas se divertiam com essa quebra de rotina, logo naquela hora da noite. Até que o trem chegou na verdadeira Santana. Abre-se porta, ninguém mexe um músculo. Não aceitariam ser enganados mais uma vez, tinham que dar o troco. Fingiam estar fazendo algo que sempre fazem no pseudo-ócio, mas estava na cara que era forçado, só para não passarem vergonha no trem. Mais alguns instantes, fecha-se a porta. O senhor que estava sentado ao meu lado força um pouco mais a vista e consegue ler a palavra Santana estampada na estação. Era tarde demais. Todos os enganados entram novamente em desespero. Desta vez era real: perderam a verdadeira Santana. Planejaram parar o trem, fazer revolução, assassinar o condutor do trem, tudo isso e muito mais. A verdade é que nada fizeram, senão esperar a próxima estação e andar uns bocados até chegar em Santana. 
Os outros passageiros caíram na gargalhada ao verem os enganados saírem soltando fumaça pelas ventas. Riam como se nunca tivesse experimentado a dor na barriga que o riso causa. Imploravam bis, aplaudiam a voz eletrônica que estava com defeito, queriam que isso acontecesse toda noite de terça, começo de mês.

Os pensamentos acabam quando a mesma voz com defeito pede aos passageiros para descer no Terminal Tucuruvi. A expressão de felicidade é extinta e a mesma face cansada e rotineira retorna aos passageiros. Organizam-se em fila para sair pela minúscula porta do trem. Após aberta, a multidão corre até suas casas para poder assistir a metade do jornal das onze e pouco. O tour de terça havia acabado e eu ainda tentava digerir tudo que acabara de acontecer. Pensei nisso até chegar em casa. Tomei um banho quente e não assisti a metade do jornal das onze e uns bocados. O mês que ladra estava só começando em São Paulo.

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