O sol na parte final de sua trajetória, cinco e meia da tarde. Sentado e com os braços sobre uma mesa do Bubble Kill, enfrento o calor com um suco de limonada suíça. O MASP, do outro lado da rua, vira cenário para meu genocídio de bolhas de abacaxi.

Sozinho, penso como preciso de mais momentos assim. Desconectar-me do mundo e das pessoas, ou seja, dos problemas. Trazer a memória o que é bom ou, quem sabe num segundo de loucura, mergulhar minha mente justamente no que machuca a alma. Ser livre para rir e chorar comigo mesmo e cicatrizar memórias no fogo da reflexão, sem julgamentos. Curtir minha própria presença.

Sentir o vento da avenida – com os carros que passam depressa – e experimentar o arrepio que ele proporciona. Respirar fundo e fazer com que o cheiro de folha molhada do Parque Trianon tome meus pulmões. O burburinho das buzinas distantes e das conversas aleatórias das pessoas que atravessam na faixa. Nenhum lugar tão organizadamente desorganizado.

Nada poderia roubar minha atenção daquela atmosfera, de mim mesmo. Eis que uma mulher chega correndo, com passos maiores que as pernas, e se senta na mesa ao lado. O celular colado na orelha esquerda e um sorriso nos lábios. Em momento algum da ligação revela seu nome e, por isso, a chamaremos de Heloísa.

Conversa ao telefone com sua amiga, pelo visto íntima, Laís. Pele branca, cabelo preso e louro com uma franja amarela jogada para a direita do rosto. Fisicamente acima do peso, usa brinco redondo na orelha direita e vermelho pequeno – parecendo um botão de camisa – na esquerda. Duas pulseiras, uma verde fina e outra grossa marrom. Blusa preta amarrada na cintura e uma espécie de pochete cinza na diagonal do corpo.

Estilo roqueira, ostenta chocker no pescoço – mais de um, uns três ou quatro -, piercing no nariz e óculos comum, com armação preta. Anel de coco claro no polegar da mão direita, calça legging e regata branca. Heloísa tem os braços e as costas preenchidas por tatuagens, e destaque para uma bela flor colorida no braço esquerdo.

A primeira frase que ouço da mulher é que encontrará “o amor da vida” na Paulista. O rapaz nunca havia chamado Heloísa para sair e, em plena quarta-feira, a convidou para jantar – o que a deixa extremamente entusiasmada e sentindo-se nas nuvens. Segundo ela, vão apenas fumar, comer e conversar.

Alguns segundos em silêncio, escuta e concorda com as coisas ditas pela amiga. Volta a falar. Na noite do último final de semana, os dois ficaram juntos em uma festa e “ele não ficou com vergonha de mim”, disse. Estranhei a frase logo de cara. Como assim vergonha dela?

No intuito de ilustrar melhor, chamaremos o homem de Steve Harrington. Talvez a referência seja válida, pois possibilita um patrocínio da Netflix e menos avacalhada que Toninho Rodrigues. A questão principal é que o simples fato de Steve estar com ela em público e não sentir vergonha – por algum motivo – significa muito para Heloísa.

Logo percebo que a amiga Laís não conhece pessoalmente o “crush” da moça agitada ao meu lado esquerdo. Descrições apaixonadas podem fugir de uma realidade sensata, mas vamos lá: Steve, segundo ela, tem olhos verdes e apenas 20 anos de idade. Mora em Campinas e expressou o desejo de que ela o ajude a abaixar seu ego inflado.

O casal recebe olhares estranhos e finalmente Heloísa revela o porquê – ou talvez apenas um dos motivos. Onze anos mais velha, a mulher se encontra com 31 anos. Complexada, preocupa-se por ainda não ter a vida estabilizada: casa própria, se formar e trabalhar na área – não falou qual área – são sonhos distantes.  A ideia é que, até o final do ano, consiga morar sozinha, nem que seja num lugar pequeno.

No dia seguinte, teria uma entrevista de emprego e está feliz por isso também. Talvez a chance de construir um futuro sairia daquela oportunidade. Sobre o encontro de logo mais, diz que está fazendo por ela e não por ele.

Heloísa conta para a amiga – e indiretamente para mim – que sempre foi uma pessoa indecisa e insegura. A luta com sua própria autoestima é uma batalha travada desde muito cedo. Confessa ser uma pessoa ciumenta na relação com Steve. “Queria guardar num potinho para todo mundo precisar pedir minha autorização pra falar com ele”.

Seu sonho é ter uma família estruturada e filhos com o moço. Este sentimento tomou conta dela desde quando o viu pela primeira vez – e até mesmo ela não acredita no que sai de sua boca. Nunca antes pensou em constituir uma família. Repete algumas vezes sobre o efeito que ele causa, como a faz feliz. Cansou da “vida louca de causar” – não que deixará de ir em festas, deixa claro – mas agora quer estabilidade. “Ele faz com que eu saia dando bom dia até para passarinho na rua”.

Acordo. Como se saísse de um transe hipnótico, percebo que as horas passaram depressa. Atrasado para meu compromisso, não daria tempo de ver Steve chegar para dar rosto ao personagem que foi centro da conversa telefônica. Não veria Heloísa desligar o celular e muito menos saber se aquele encontro realmente aconteceu.

Levanto, pois meu suco já havia sido pago, e sigo meu caminho. Sozinho, como devia ser…

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