No meio da correria e nas pendências de sono, pensei que estava completamente sozinho nessa. Eu estava enganado. Conquistei, na base de muito café e menos de cinco horas dormidas por dia, uma companhia para chamar de minha. Quando eu menos esperava, instalou-se em mim de uma forma que nem aquele parente chato, quando aparece apenas em comemorações, consegue fazer.

Eu já conhecia isso. Quando era mais jovem, de corpo e alma, percebia com muita frequência nos adultos. Talvez fosse alguma estratégia de seguir a vida sem precisar da presença de outra pessoa. Talvez fosse algo que tinha que acontecer de qualquer forma — inevitável. Cogitei também a ideia de que talvez fosse só alguma tendência da moda que alguém disse ser moda. Não era nada disso.

No transporte público, pessoas encaravam a mim e a minha nova companhia. Tornou-se um misto de olhares de espanto, inveja, agonia, empatia e muito mais que termina com ia — menos alegria, isso não. Sinceramente, não prestei muita atenção nesse detalhe. Enquanto o espetáculo observatório acontecia, atentei-me a uma conversa entre três decanos: dois homens e uma mulher. Conversavam sobre um assunto iniciado pela mulher de jaqueta marrom, cabelo bagunçado e pasta na mão esquerda. Era sobre futuro e jovens. Os três entraram em um acordo quando um dos homens, o de boina xadrex e camisa branca, encerrou o assunto:

 — Esses jovens estão perdidos. O futuro está perdido na mão deles!

O outro homem, de bigode mal feito e paletó, quase aplaudiu as duas frases ditas pelo colega, de tão emocionado que ficou. Os três decanos venceram a multidão de pessoas e conseguiram descer na Bresser, com a certeza de dever cumprido para com a sociedade. Enquanto todos olhavam para a minha companhia, deixei escapar um comentário da boca, que mais boceja do que fala:

 — Aposto que uma geração antes da deles disse a mesma coisa, assim como a minha falará da próxima a seguir e assim por diante…

Mas o foco no vagão não era essa conversa e nem o que outros adultos pensam sobre futuro e perdição. O assunto continuava sendo ela, a dita olheira que montou barraco próximo aos meus dois olhos. Pensei seriamente em largar a profissão de jornalista e seguir carreira como hipnotizador ou até mesmo um desses gurus de internet que revela o futuro em uma live nas redes sociais. Sim, as pessoas queriam se encontrar de alguma forma. Finalmente, rostos exaustos estavam cara a cara com um mais cansado ainda. Era olheira de olho em olheira. Todos acima de 20 anos, ou menos até, tinham a face invadida pela sombra natural nos olhos. 

Quando o final do dia chegou, percebi no espelho o quão grande e assustadora estava a minha olheira. Era quase como se eu estivesse ocupando o corpo dela, do que ao contrário disso. Deitado com a cabeça virada para o lado esquerdo da cama, pisquei uma, duas vezes. Na terceira, o despertador já berrava às seis da manhã pelos quatro cantos do quarto, implorando para que alguém acabasse com aquela tormenta. Ainda era terça, faltava muito para a semana acabar.

Enquanto colocava café na xícara azul de asa quebrada — não gosto desta catacrese — , os olhos pesavam e as maçãs do rosto — outra catacrese não desejável — não aguentavam mais sustentar o peso da inquilina. Antes de sair, uma última analisada no espelho do banheiro. O café ingerido surtia efeito, dando um chega pra lá na dita. Talvez os dois pombinhos tenham algum caso e o ponto de encontro, claramente, era em meu interior. Mas eu sabia que era passageiro e, até o final do dia, minha companheira voltaria. Nem tudo dura para sempre. E nem tudo pode ser resolvido apenas com café. Infelizmente.

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