Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. Nem tão grande, nem tão pequeno, ele cabe no pulso perfeitamente. Maluco, passa a impressão de ser um cara organizado, mas por dentro seus ponteiros estão sempre apressados e esparramados. Não é o que parece ser.

Ora faz o tempo passar mais lento, ora mais rápido. Na verdade, o tempo é sempre o mesmo e só varia de percepções. Apesar dos mesmos números e movimentos, cada segundo é originalmente novo, único.

Discreto, é preciso silêncio quase total para ouvir as batidas de suas engrenagens.

Se é o mais elegante? Não. É o mais “descolado”? Passa longe disso. O mais bonito? Jamais. Esforçado, com certeza!

Colado nos braços da moça, ele passa o dia todo sem reclamar – faz seu trabalho. Tic-tac, tic-tac. Embaralha-se, dá voltas e mais voltas. Desorganiza-se por dentro para que outros se organizem por ele.

Encontra-se de madrugada no topo da penteadeira. Momento que seus sons internos sobressaem-se à calmaria da noite. De qualquer canto da casa pode-se ouvi-lo.

Ela, bicho noturno e independente, ronda a casa toda. Corre vaidosa pelo chão, salta do sofá e escala armários muito maiores do que suas patas. Por vezes graciosa, mas também estabanada. Derruba copos, pacotes e panelas.

Orgulhosa, dá de ombros para as broncas da moça e, quando menos se espera, está lá afiando suas lindas unhas nas cortinas da sala. Ninguém pode adestrá-la: é livre.

No silêncio, o lindo dueto do tic-tac dele e o ronronar dela. Ah, são tão diferentes! E isso não é bom? Ela se encanta pela organização e discrição dele. Já ele, apaixona-se pela desorganização e carisma dela. Ele é o equilíbrio dela, ela o desequilíbrio dele.

Podem viver muito bem sozinhos, completos em si mesmos. Mas dueto é feito a dois. Questão de escolha, sempre. Cada madrugada virada nas conversas de confissões e autoconhecimento é um show de tic-tac, ronron, tic-tac, ronron.

Amanhece o dia, ela adormece e a moça o coloca no pulso. O dia no trabalho é bom para ele, cumpre suas tarefas no prazo. O céu parece mais azul e o sol mais brilhante. Conta horas, minutos e segundos para chegar em casa e revê-la.

Já na penteadeira, esforça-se para diminuir a velocidade de seus ponteiros. Uma tentativa desesperada de manter aqueles momentos eternos.


– Que o tempo passe mais devagar quando estamos juntos!

Não funcionou. Ele passou e os problemas vieram depressa. A grande questão do futuro é que ele depende intrinsecamente do passado, ou melhor, do presente.

Ela, sempre forte, escondia mordidas e unhadas do passado – pulgas atrás da orelha. E com ele não era diferente: arranhões, engrenagens enferrujadas e bateria desgastada.

Tic-tac, romrom, tic-tac, tic-tac. Certa noite ela ronronou diferente. E na seguinte, e na próxima e mais uma. Tic-tac, tic-tac, tic-tac – chamava ele, desesperado.

Percebeu que ela agora tinha hábitos matutinos, dormia durante a noite e brincava durante o dia. Não mais ronronava, miava. Ele também mudou: de tic-tac, agora faz tac-tic.

Nada mais importava, o tempo passa e eles não percebem. As madrugadas foram tomadas pelo incansável e solitário estalar de ponteiros. O dueto virou monólogo.

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