Há dias que nada funciona, nada coopera. Uma péssima noite de sono, um dedinho de encontro com a mesa da sala, uma calça molhada pela chuva ou uma discussão com a pessoa amada. Aos poucos, o desgaste transforma-se rapidamente em raiva.

E neste ponto, qualquer coisa vira motivo para acumular ódio. Um fumante que agride seu pulmão com baforadas certeiras; uma poça d’água no caminho de seus passos; uma criança chorando por duas horas seguidas no ônibus.

Cresce a vontade de agredir alguém, apesar de considerar-me um cara pacífico – mas têm dias que realmente é impossível manter a classe. Tento de todas as formas livrar-me daquele rancor pela vida. A raiva por tudo e por todos aumenta exponencialmente dentro de mim. Controlo-me.

Celular em mãos, entro nas redes sociais para tirar a atenção do mundo real por alguns minutos: péssima ideia. Gladiadores das verdades absolutas, sou contagiado por mais ódio e desrespeito. Se ganha quem está certo, só vejo perdedores cercados de seus próprios troféus – presenteados por eles mesmos.

Em um grande ringue de idolatrias e hipocrisias, fica difícil distinguir a cara da coroa quando todos os lados da moeda estão queimados. As bolhas sociais apenas são consequências do orgulho, pois estar certo é gratificante e seguro.

Um mundo no qual bandeiras definem quem eu devo odiar, a opinião é arma e o diálogo, fragilidade. Há 200 mil km, enxerga-se rápida e nitidamente todas as diferenças, já que semelhanças só são vistas de perto, em relacionamento. Mas preferimos o rifle à lupa.

E não me abstenho da responsabilidade, sou também cúmplice do crime: o assassinato do bom senso.

Desligo a tela do aparelho, já estou com raiva até de mim mesmo. Em pouco mais de vinte minutos nas redes, fui bombardeado por problemas, reclamações – algumas dignas, é verdade – e motivos para desacreditar. Nenhuma solução válida.

Engraçado que, no momento em que estou escrevendo esta crônica, dois rapazes de terno acabaram de discutir ao meu lado. Um com pouco cabelo e camisa social rosa; e o outro, de barba, com paletó preto e gravata azul-marinho.

Aparentemente, discutiram pois um deles queria ir de Uber e o mais jovem o convenceu pelo uso do ônibus – agora chegarão atrasados na reunião. “Se você não consegue dominar uma conversa de Uber ou ônibus, como vai dominar o cliente na mesa?”, questionou um deles, bem irritado.

Sigo minha jornada, como se nada tivesse acontecido. Se a vida real e as redes sociais me tiram do sério, tento achar outra saída: falho miseravelmente. Apesar da boca fechada, discuto com todos que passam por mim. Neste dia, minha mente está mais rabugenta do que o normal.

Entro no metrô, sentido Sé. Já anoiteceu e a ideia é voltar para casa sem que nada mais me estresse. Eis que, neste exato momento, uma mulher entra no vagão, gritando ao telefone. Com cabelos loiros, piercing na orelha, calça preta e estando um pouco acima do peso, ela discute com uma amiga ao telefone.

Não uma briga qualquer, mas uma das grandes, com xingamentos, palavrões e insultos gratuitos. Aquele tipo de intriga saudável que destrói relacionamentos e marca vidas. Aquilo, curiosamente, me acalmou. Ela despejou todo o ódio que podia, tanto que me descarregou. O vocabulário de palavras de baixo calão do vagão inteiro foi atualizado.

Quando ela desceu, até respirei fundo: aliviado. Não por ela ter saído, mas justamente por ter destilado tanto rancor, ira e amargura naquele telefonema que limpou minha mente. Minha raiva não se comparava ao ódio daquela mulher. Senti-me bem, feliz.

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