Esses dias são estranhos, têm um ar diferente pelas ruas. Luzinhas brilhosas, um clima de
vulgarização da alegria, a necessidade de sorrir imposta pelos que acreditam em
novos dias e novos tempos depois de virar a página do calendário.

Pode ser culpa de meses esquisitos para mim. Ando rodeado pela antiga melancolia ao longo de 2018. Não sou dos que comemoram o fim do ano, pois aprendi há tempos que termina um, começa outro. Sem intervalos. Deveria existir uma semana marcando a transição entre ciclos de volta ao redor do sol. Algo como uma ponte: quando estamos em
cima dela, não pertencemos a nenhum lado.

No mundo real, mal despejamos nossas falsas esperanças na tal da virada, com pescoço para cima vendo fogos coloridos, e já temos um monte de boletos para pagar, coisas para
resolver, engrenagens massacrantes para girar. Mesmo sem vontade, só por
sobrevivência.

Descobri a inexistência de Papai Noel muito cedo, quase ao mesmo tempo em que passei a ler todas as placas vistas pelo centro da cidade. Meus pais não alimentaram a crença no
velho que entra pela chaminé para entregar presentes. Talvez porque nunca tive chaminé nas casas que morei, quem sabe o motivo foi o pouco poder aquisitivo para recompensar os filhos bem comportados durante o ano, seguindo a lógica desse feriado estranho.

Sei que já não me empolgo como os amigos interessados em beber até cair no 25 de dezembro. Tampouco programo grandes noites memoráveis para brindar a chegada de janeiro, um mês tão mês quanto os outros.

Eu olho para as ruas enfeitadas e não sinto nada. É como se encontrasse uma ex-namorada depois de alguns anos. Ela já está casada, tem uma bonita família, até. Mas, penso nas nossas brigas e choque de personalidades distantes. Fico satisfeito com o mero
cumprimento de quem não tenho mais vontade de conviver diariamente.

Ao caminhar pelo centro da cidade, pessoas trombam em mim, na correria por compras, sejam de produtos que não têm necessidade alguma, ou mesmo de futilidades para fazer dessa data algo inesquecível até as contas sufocantes não fecharem no nada distante ano
que vem.

Daqui a alguns dias, as mesmas reportagens requentadas explicando o significado desta data, os mesmos comerciantes e prestadores de serviço pedindo a caixinha de fim de ano, os mesmos religiosos indignados com a suposta deturpação da folga religiosa. As
mesmas pessoas me cobrando uma alegria necessária para esses dias, a mesma
alegria vulgarizada, maquiada, esquisita.

Esses dias são estranhos, sou estranho a esses dias.

 

Leandro Marçal É um escritor ansioso. Autor dos livros De Letra: O futebol é só um detalhe e No caminho do nada. É cronista no Tirei da Gaveta

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