No ano de 1774 foi lançado o livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, escrito pelo alemão Johann Wolfgang von Goethe. Na história, o personagem-título comete suicídio devido a um amor não correspondido. O problema, porém, se dá por um simples motivo: ao expor o tema ainda pouco discutido na sociedade europeia do século 18, Goethe desencadeou uma grande série de suicídios, segundo publicações da época.

Chamado de “Efeito Werther”, esse fenômeno gerou outra consequência. Os principais grupos da sociedade, ao saber do perigo que falar sobre esse tema poderia gerar, começaram a deixar o assunto cada vez mais de lado. Seja dentro das redações jornalísticas ou em conversas no meio público, o suicídio virou um tema quase proibido.

“É algo complicado porque esse assunto é um tabu, quase ninguém fala a respeito. Enquanto isso as pessoas estão literalmente se matando. Está cada vez mais assustador o número de pessoas que desistem da vida. Acredito que esse assunto deveria ser mais divulgado para poder ajudar as pessoas com tal pensamento”, afirma Alexsandra Braz, curitibana de 40 anos que tentou cometer suicídio na adolescência e hoje consegue ter uma vida mais equilibrada.

Alexsandra é o que chamamos de sobrevivente, isto é, uma pessoa que já passou por quadros intensos de depressão resultantes em uma ou mais tentativas de suicídio. Segundo ela, a principal motivação para tais pensamentos foi a dificuldade em se adaptar à sociedade. Entre familiares e amigos, muitos eram os que cobravam uma série de comportamentos que para ela eram incompatíveis. “Entre 13 e 14 anos comecei a pensar nisso por achar que não conseguia me ajustar ao mundo. Eu odiava isso e mais tarde comecei a compreender que esse ódio era porque simplesmente não sentia atração por homens e isso gerou um conflito comigo mesma”, explica.

Mais que um caso

A história de Braz não é um caso isolado. Segundo apuração da BBC a partir do Mapa da Violência 2017, levantamento publicado todos os anos a partir de dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, o número de casos em jovens tem aumentado a passos largos no Brasil. Se considerarmos o período de 2002 a 2014, a taxa de suicídios entre pessoas de 15 a 29 anos aumentou quase 10%.

A questão não é local. Apesar do crescimento, o Brasil ocupava apenas a oitava posição na lista de países com maior ocorrência em 2012, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Além disso, a OMS também afirmou na época que o suicídio era a segunda principal causa de morte nesta mesma faixa etária.

Mas o que leva tantos garotos e garotas a fazer isso? Segundo Eliane Margarete Soares, 44 anos, voluntária do Centro de Valorização à Vida, entidade dedicada ao atendimento de pessoas em situações de crises como essas, a maioria dos adolescentes que entram em contato se sentem sozinhos, com dificuldades de encontrar um senso de pertencimento e medo de não serem capazes de lidar com os novos fatos da vida. “Essas sensações muitas vezes são causadas por separações amorosas, mortes na família, bullying, pressão por uma boa faculdade ou emprego, preocupação com a estética e (a necessidade) de seguir padrões de beleza inatingíveis”, esclarece.

O porquê caseiro

“Na minha opinião, existem dois tipos de morte: se tiver sorte, tem uma vida longa e um dia seu corpo para de trabalhar e acabou. Mas se você não tem sorte, você morre um pouco de novo e de novo até que perceba que é tarde demais”

A frase acima está presente em “Tape 6, Side B”, décimo segundo episódio da primeira temporada de “13 Reasons Why”, série produzida pela Netflix e fenômeno de audiência no começo de 2017. O enredo é focado em Hannah Baker, jovem de 17 anos que comete suicídio e deixa treze fitas para pessoas que direta ou indiretamente foram responsáveis por seu ato.

Mais do que números positivos para a audiência da empresa, o seriado voltou a trazer esta pauta a sociedade. Para se ter uma ideia de seu impacto cultural, o CVV anunciou um aumento de 445% no número de atendimentos a partir do dia de lançamento, com muito deles citando a série. Podemos ressaltar a relevância do lançamento dos “13 porquês”, pois, na faixa etária de Hannah, o suicídio é a segunda causa com o maior número de mortes, somando 7,3% dos 1,3 milhão de jovens de 15 a 29 anos que morrem anualmente.

Na maioria dos casos nesta idade, familiares e amigos nem ao menos percebem o padecimento dos entes os queridos. Essa situação aconteceu com a sobrevivente Giulia Zambotto Furlan, 37. Durante a adolescência, ela se descobriu transexual e passou por uma série de conflitos internos relacionados com essa mudança de identidade de gênero. “Minha família era muito conservadora e eu sabia que eles não aceitariam. Meu corpo começou a mudar, ficar mais masculino, isso me causou uma dor tremenda e eu não via saída para mim”, declara.

A programadora iniciou uma série de tentativas de suicídio ainda jovem. Mesmo sobrevivendo a cada uma delas, evitava contar até mesmo para os parentes mais próximos por causa do medo das reações que a revelação poderia ter. “Eles nunca souberam. Como eu sempre sobrevivi, pegava as cartas de volta e ninguém nunca me achou. Só fui contar que tentava quando fui me assumir para minha mãe”, revela.

Furlan fala que explicar tanto sua transexualidade quanto as tentativas para sua família não foi algo fácil no começo. Sua mãe, inclusive, a proibiu de visitá-la. Tudo isso, porém, passou com o tempo. Após a morte de seu pai, a progenitora voltou atrás e aceitou que ela voltasse ao lar. Para ela, essa mudança de pensamento fez toda a diferença para sua vida: É um sossego. Chego a pensar no futuro por não ter que enfrentar uma guerra em casa”, conta.

Como ajudar

Casos como os de Alexsandra e Giulia estão ao nosso redor. Por isso, é preciso aprender a como interagir com pessoas nessas situações para deixá-las confortáveis e dispostas a buscar algum tipo de tratamento. Quem diz isso é a especialista em Psicologia Clínica Carla Cornejo. Para ela, os primeiros passos são buscar sempre a conversa, mostrar preocupação e interesse no sofrimento do outro. Além disso, Carla acredita que “devemos acolher, não encorajar e nem menosprezar o sentimento, porque nós não sabemos o que está se passando na vida da pessoa. Para você, aquilo pode ser algo simples, mas para a outra não é. A melhor indicação é procurar um profissional, por mais que a pessoa resista”.

O pensamento de Carla vai de acordo com os de Eliane. Conforme o aprendido no CVV, ela crê ser necessário um modelo de conversa aberta, acolhedora e sem críticas. Somente nesse clima de “ameaça zero”, seria possível abrir espaço para a pessoa se comunicar sobre o que a incomoda. “Ao desabafar, a pessoa se sente melhor, retoma forças e fica mais fácil encontrar caminhos e opções para sua vida”, conta.

Em conjunto com um maior apoio da família e a procura por um atendimento psiquiátrico adequado, grupos de apoio aos sobreviventes são também boas alternativas para os que recém passaram por esse tipo de situação traumática. Alexsandra explica que as reuniões lhe auxiliavam por reunir pessoas com experiências similares, todas dispostas a melhorar. “Os grupos funcionam para alguns, mas não para todos. Para mim deu certo porque lá sentia ser possível contar o que não poderia para meus amigos e familiares. Nesses grupos temos a troca de experiência e isso ajuda muito. É como saber que não estamos sozinhos nesse barco”, finaliza.

Quem comanda um grupo como esse é a técnica em enfermagem Priscilla Odara. Uma das criadoras do “Como salvar uma vida – Prevenção do Suicídio”, na ativa desde 2013, ela acredita ser o acolhimento a palavra chave para a recuperação, mas não pensa ser a única responsável pela melhora dos sobreviventes. “Vou pegar na mão da pessoa, caminhar ao seu lado, atravessar a ponte junto com ela e tentarei evitar que ela se jogue no meio do caminho. Mas a responsabilidade por continuar caminhando e chegar do outro lado é da própria pessoa”, afirma.

Estudante de Psicologia, Priscilla se diz grata pelo bom relacionamento entre os integrantes, que cultivam uma ajuda mútua e se apoiam durante as crises. Sem nenhuma perda, ela fica orgulhosa por ver a evolução de cada um. “É uma sensação ótima, de orgulho da própria pessoa. Orgulho de tudo que ela enfrentou e de onde ela está hoje em dia”, encerra.

Descobrir a morte de alguém próximo devido ao suicídio é algo chocante por afetar diretamente nossa vida. Saber que o número absoluto é de 800 mil pessoas perdidas por ano no mundo, nos faz ter a noção da grandeza do problema. Com essa estatística, se estima uma morte nessa condição a cada 40 segundos. Ou seja, somente enquanto você lia os pouco mais de 9.000 caracteres dessa reportagem nossa sociedade perdeu aproximadamente 10 pessoas. Felizmente, 90% dos casos podem ser evitados se descobertos com antecedência. Mais do que nunca, é preciso falar sobre suicídio. Somente esclarecendo é possível reverter este quadro.

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