Presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro defendeu durante a campanha o ensino à distância. Segundo ele, a opção por essa modalidade ajuda a baratear os custos e a combater o marxismo. O político do PSL disse pensar na aplicação em todas as etapas da educação.

“No fundamental, médio, até universitário. Todos podem ser à distância, depende da disciplina. Fisicamente em época de prova ou aula prática” — afirmou Bolsonaro em agosto deste ano.

Defensor do projeto Escola sem Partido, ele também atacou o que chama de doutrinação esquerdista dentro das salas de aula. “Conversei muito sobre ensino a distância. Me disseram que ajuda a combater o marxismo.Você pode fazer ensino a distância, você ajuda a baratear. E nesse dia talvez seja integral”.

A proposta, entretanto, não é consenso para especialistas. Entre as maiores queixas estão a dificuldade de manter os alunos focados com este tipo de ensino, que requer mais dedicação para a compreensão dos assuntos. “Ensino à distância só funciona com pessoas que têm disciplina, o que já é difícil no ensino superior, imagine no ensino fundamental. Nessa fase, é necessária uma atenção maior, um professor presente para sanar as dúvidas do educando. A maior parte dos alunos não fazem as tarefas de casa, como vão fazer o curso todo em casa?”, inicia a pedagoga Selma Barbosa.

Selma também acredita que esta opção traria outros malefícios para os estudantes, que teriam dificuldades em desenvolver as habilidades sociais se não precisassem frequentar a escola. “Com certeza isto dificultaria. As crianças desenvolvem melhor através do convívio mútuo. O Ensino à distância só as tornariam mais individualistas e egocêntricas”,critica.

Quem concorda com a opinião de Selma é a mãe Maria Aparecida, 45. “Vejo que esta medida é pensada para cortar gastos e mão de obra dos professores. Com certeza iria atrapalhar o desenvolvimento dos alunos. Acho um absurdo”, comenta.

Especialista acredita na EAD como ferramenta de apoio

Presidente da Associação Brasileira de Ensino à distância, a ABED, o Dr. Fredric Michael Litto, acredita que é possível trabalhar com o EAD como ferramenta para auxiliar no aprendizado dos jovens e adolescentes. Para ele, “É perfeitamente aceitável pensar em ‘atividades lúdicas/educativas’ via internet para alunos do ensino fundamental, porque isso não exige a motivação, disciplina e autonomia que ‘cursos’ exigem, e que os muito-jovens raramente têm”.

Professor emérito do ECA, ele acredita também, ser necessário uma boa preparação anterior por parte dos docentes. “O professor,com bastante antecedência deve preparar uma estratégia cuidadosa para levar seus alunos do Ensino Fundamental (e até do Médio) a serem cidadãos do mundo como apoio da tecnologia”, inicia.


Fredric Michael Litto, Presidente da ABED. Foto: Divulgação/ABED

Quanto à aplicação, Fredric crê ser importante ensinar os jovens a aprenderem a aprender dentro dos meios digitais. “[O professor] deve descobrir quantos dos seus alunos tem familiaridade com computadores, e antes de mais nada, organizar o nivelamento de todos, com os alunos mais experientes ensinando aos menos experientes. Não existe nada melhor para reforçar o conhecimento do que passá-lo a outra pessoa! Tanto com a parte de uso do computador quanto da parte de como sair na web para achar informação ou interagir com sites e/ou pessoas”, acrescenta.

Como aplicar

Ex-coordenador da Escola do Futuro, da USP, Litto relata uma estratégia positiva aplicada dentro do colégio. Nela, seria preciso que os professores elaborassem um cardápio de atividades para os alunos baseado em três grandes divisões. Na primeira, o professor deveria ensinar a como buscar informações no Google e na Wikipédia, sugerindo uma lista se tópicos a serem procurados.

Juntamente a este trabalho, deveriam ser dispostos sites interativos – chamados de “objetos de aprendizagem – OAs” e “recursos educacionais de aprendizagem REAs” – com foco em ajudar na aprendizagem de matérias do currículo básico, como ciências, matemática e história. O grande trunfo desta etapa seria em trazer sites que têm estruturas com jogos – a famosa gameficação dos estudos – ou ainda outras abordagens pedagógicas.

Para estimular o desenvolvimento da comunicação entre os alunos, Litto recomenda também um tipo de atividade na qual os jovens aprenderiam conforme trocam e-mails. “Basta criar um endereço de e-mail para cada aluno, e levar eles a trocarem correspondência entre eles mesmos, e num segundo momento, com alunos na mesma série em outras escolas (os professores dessas escolas devem combinar com antecedência como fazer com que nenhuma criança fique sem apoio de outra criança ou do professor). Num terceiro momento, esses alunos vão trocar mensagens e trabalhos escolares com alunos em Portugal e Moçambique”, comenta, referindo-se a países também de língua lusófona.

Litto acredita que através dessas medidas seria possível impulsionar o desenvolvimento intelectual dos alunos. “É a coisa mais fácil do mundo! Fizemos exatamente isso, com grande sucesso durante alguns anos com escolas públicas em São Paulo, Santos e Lisboa, começando em 1993”, finaliza.

Difícil aprovação no Congresso

Para colocar em prática seus projetos ligados à educação à distância, Bolsonaro deverá, primeiramente, tê-los aprovados nas Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Dourando em Ciências Sociais na PUC-SP, Rogerio Tineu crê que propostas consideradas “prioritárias” pelo Governo devem ser levadas em um primeiro momento, onde há maior chance de aprovação por parte dos congressistas.

“Vai depender da pauta do congresso. As pautas mais polêmicas têm uma chance maior de aprovação nos seis primeiros seis meses do governo. Tem mais força política, força popular e junto aos próprios congressistas”. Segundo Tineu, a pauta do EAD no ensino público deve ser utilizada em um segundo momento. “Não entendo essa pauta seja prioritária. Ela pode ser prioritária no campo da discussão política-ideológica, para manter vivo esse acirramento entre esquerda e direita, essa demonização da esquerda. Como pauta, as questões econômicas são muito mais importantes do que essa em particular”.

Rodrigo Maia e Eunício Oliveira são, respectivamente, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Para ele, tanto este projeto quanto o Escola sem Partido, programa que busca acabar com uma possível “doutrinação ideológica” nas salas de aula, podem ser deixados de lado pela presidência ao longo dos quatros anos de mandatos. “Não vejo grande chance de ser aprovada [a proposta do EAD], vejo muito mais chances para o projeto Escola Sem Partido, que faz parte desse processo de demonização da esquerda e do professor. O docente é visto como inimigo interno desse governo, mas ao tempo a sociedade não vê o professor como esse inimigo. Existe um descompasso. Por isso acho que isso não entram os projetos da EAD e da Escola sem Partido, logo de cara”.

O professor universitário crê que ambas podem ganhar força na discussão caso as chances de aprovação de medidas econômicas estejam baixas. “A não ser que eles não consigam a maioria no Congresso para aprovar as pautas econômicas, aí entram entre projetos, que se aprovados seriam uma vitória que mostraria a força do governo. Precisamos ver como isso vai acontecer lá em 2019, no retorno do Congresso. Se tiver um bom alinhamento entre Governo e congressistas, entram as pautas econômicas, se não houver, entram as pautas que não são prioritárias”, finaliza.

Experiências mistas marcam teste do EAD na Bahia

Graduanda em Jornalismo, Tainá Oliveira teve contato direto com ensino à distância em todo seu período no ensino médio. Nascida na cidade de Brotas de Macaúbas, localizada no interior da Bahia, ela teve sua formação feita através de um programa da Secretaria Estadual da Educação do Estado, o EMITEC (Ensino Médio com Intermediação Tecnológica).

Alternativa pedagógica para os jovens que moram em comunidades distantes dos grandes centros onde há maior oferta de instituições de estudo e professores capacitados, o EMITEC oferece aulas transmitidas pela internet para milhares de estudantes desde 2011. No caso de Tainá, ela e o demais estudantes brotenses iam até Cocal, onde frequentavam uma escola pública e tinham aulas com professores localizados em Salvador, à 606 km de distância. O projeto conta ainda com um professor focado apenas em tirar as dúvidas dos alunos por meio de um chat e um mediador, focado no acompanhamento dos alunos.

Foto: Divulgação

Tainá considera sua experiência com o EMITEC positiva, mas ressalta as dificuldades encontradas por conta de problemas técnicos. “Os professores eram maravilhosos, alguns também davam aula em faculdades federais.Os conteúdos eram bons também, baseados no ENEM, mas a dificuldade principal era em relação a parte técnica. Por exemplo, a CPU do computador quebrava e a gente ficava uma semana sem aula. Perdendo essas aulas, qual era a orientação os professores da EMITEC davam? ‘Combinem com os mediadores para poder assistir novamente’. Não tinha essa possibilidade. Nós, que morávamos longe, não tínhamos condições de ficar até mais tarde para assistir as aulas, porque aí não teríamos como voltar para casa. Para não ficar perdido na matéria nós pegávamos todo os materiais disponíveis no ambiente virtual. Acabávamos ficando sem a explicação”.

Segundo ela, outro fator impeditivo para o aprendizado era agrande quantidade de alunos em sala de aula, o que dificultava o aprendizado e tornava as aulas cansativas para ela e seus colegas de classe. “Não estou aqui me colocando como exemplo, mas eram poucas pessoas que conseguiam aprender mais, até pelo número de alunos. Em uma aula virtual, você precisa ter um número mais reduzidos, mas quando comecei o ensino médio éramos em mais de 40 alunos. Agora você imagina a dificuldade do mediador em controlar a aula, dos alunos que realmente queriam aprender e prestar atenção”, comenta.

Tainá disse ter encontrado um forte problema também no ambiente virtual, por conta do alto número de alunos que presenciavam as aulas diariamente. “Não era só em Cocal. Um número de quase 60 comunidades de toda a Bahia assistia a aula simultaneamente. Aí você mandava uma pergunta no chat público e ela se perdia no meio de várias outras, incluindo gracinhas de outros alunos não interessados. Aí éramos obrigados a mandar no chat privado. A questão da motivação depende de um mediador. Tinham casos de comunidades em que não se tinham mediadores, os alunos estavam ali sozinhos”. Tudo isso tornava o processo ainda mais complicado. “Era muito cansativo. Falar desinteresse é forte, mas era muito desanimador para alguns”, complementa.

De forma geral, a aluna universitária vê com bons olhos a iniciativa, mas sente que a medida talvez esteja sendo feita apenas com fins ideológicos. “A proposta de levar acesso à educação para quem não tem acesso é positiva, mas o problema é entender como vai funcionar. O EMITEC foi copiado pela Secretaria de Educação de comunidades ribeirinhas e para eles essa medida é mais do que necessária. Tem que ter uma fiscalização para ver se vai funcionar. No caso do Bolsonaro, ele leva por um lado de ideologia, de acabar com o marxismo, e isso pode acabar fugindo do objetivo”, conclui.

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